... Edição Digital 391

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CONJUNTURA - Roberto Gaspar, Secretário-geral da ANECRA No caminho da sustentabilidade

Estamos todos a assistir e a participar ativamente naquela que será seguramente a maior e mais profunda transformação do sector automóvel nos últimos cem anos.

Vivemos atualmente, e em simultâneo, um conjunto de processos fortemente disruptivos que muito dificilmente alguém, ainda que mais informado, poderá antecipar o seu futuro mais imediato.
 
Depois de dois anos de uma pandemia à escala global, enfrentamos agora os efeitos de um processo de degradação das condições macroeconómicas, com uma inusitada subida da taxa de inflação, de uma escalada das taxas de juro, e de uma guerra que não é de todo alheia a estes fenómenos e que teima em não acabar. A indústria automóvel vive hoje um momento absolutamente único na sua história centenária.
 
Aquela que foi durante décadas a indústria de ponta e o orgulho das grandes nações europeias, enfrenta atualmente um conjunto de enormes desafios, muitos dos quais ameaçam revolucionar todo o modelo de negócio que conhecemos desde há décadas.
 
Se é verdade que processos como os novos modelos de distribuição lançados pelos fabricantes, o processo da digitalização que introduziu profundas alterações na forma como se fazem hoje os negócios de viaturas novas e usadas ou ainda os novos hábitos de consumo de toda uma nova geração e o aparecimento de novos conceitos de mobilidade que prometem alterar a forma como encaramos, precisamente esse conceito de mobilidade, ou os novos fenómenos que prometem mudar a forma como utilizamos as nossas viaturas, quer seja com a condução autónoma ou o acesso aos dados das viaturas comunicantes e as prometidas reparações “on the air”, entre outros.
 
"Segundo a definição da Organização das Nações Unidas (ONU) “A sustentabilidade é a satisfação das necessidades do presente sem comprometer a capacidade de gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades"
 
Este são alguns dos muitos processos e fenómenos que irão seguramente mudar, de forma indelével, todo este nosso sector nos próximos anos.
 
Mas é também verdade, que em paralelo assistimos hoje a um fenómeno que, muitos de nós até há bem pouco tempo desvalorizámos, não percebendo talvez todo seu verdadeiro potencial de disrupção em toda a cadeia de negócio do sector: Falamos logicamente do processo de transição energética.
 
Se durante algum tempo acreditámos que este seria um processo lento e gradual, hoje percebemos que fruto das metas ambientais extremamente apertadas, os fabricantes viram-se obrigados a sair da sua zona de conforto (onde estavam habituados a liderar) e realocaram todo os seus mega-investimentos de milhares de milhões de Euros na criação de novas plataformas para produzirem automóveis elétricos.
 
E se este processo de transição se faz, e bem, em nome da sustentabilidade ambiental e ecológica, não deveremos deixar de refletir, se os caminhos que estão a ser seguidos pelo sector cumprem o equilíbrio que se deseja num caminho de desenvolvimento sustentável: sustentabilidade económica, ambiental e social.
 
Segundo a definição da Organização das Nações Unidas (ONU) “A sustentabilidade é a satisfação das necessidades do presente sem comprometer a capacidade de gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades”.
 
Ora se é absolutamente inequívoco que temos, todos, de fazer um caminho que se prevê seja árduo, mas que deverá ser rápido e sem hesitações, que visa travar as alterações climáticas e que tal apenas será possível se todos nós, enquanto cidadãos, empresas, organizações, estados e sociedade no seu todo, coloquemos na primeira linha das nossas preocupações, a sustentabilidade ambiental, convém também não perdermos de mente que a real sustentabilidade, naquilo que é a definição da ONU só poderá ser atingida na sua plenitude se assentar em três eixos: Económico, social e ambiental.
 
"O conceito de sustentabilidade engloba três pilares fundamentais: a dimensão ambiental, a dimensão social e a dimensão económica"
 
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Segundo o Relatório Brundtlandt das Nações Unidas (1987), o conceito de sustentabilidade engloba três pilares fundamentais: a dimensão ambiental, a dimensão social e a dimensão económica. Observando estes três eixos como círculos que se intersetam, o ponto em que se sobrepõem é a meta sustentável que pressupõe a proteção do ambiente, melhorias sociais e benefícios económicos.
 
Somente unindo todas essas diferentes dimensões é que será possível atingir plenamente o conceito proposto pela sustentabilidade.
 
Ora tendo por base este conceito de sustentabilidade, em que o equilíbrio entre as vertentes ambiental, económica e social é determinante para que se cumpra verdadeiramente o desígnio da sustentabilidade, acredito que podemos, e devemos mesmo, perguntar- -nos se o processo que estamos a seguir atualmente na industria automóvel europeia, em grande parte por decisão da Comissão Europeia e pelo modelo que decidiram implementar, com as metas colocadas à indústria para 2035 (com o famigerado Fit for 55), se estamos verdadeiramente a seguir um caminho que nos possa levar sustentabilidade Ambiental, mas também económica e social.
 
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Aquela que foi tida durante décadas como a indústria mais importante da Europa, nas exportações, na contribuição para os impostos cobrados, nos empregos gerados, na importância no tecido económico, na vanguarda do investimento e no desenvolvimento tecnológico, entre outras razões vê-se hoje seriamente ameaçada, fruto de uma transição forçada para uma produção de viaturas elétricas em detrimento da produção de viaturas térmicas.
 
Esta transição industrial é tão mais relevante se tivermos em linha de conta, que esta indústria automóvel europeia liderou durante décadas este sector, quer seja pela capacidade instalada quer seja pela reconhecida qualidade. Ainda hoje sempre que pensamos em qualidade e em viaturas premium pensamos em marcas europeias.
 
Acontece que este processo em curso está a retirar a indústria europeia da sua zona de conforto e de liderança para uma zona onde claramente outros atores (maioritariamente China e EUA) levam vantagem, quer seja pela capacidade industrial instalada, quer seja pelo controlo das matérias primas necessárias, assim como pela capacidade tecnológica e de qualidade de produção que sempre estiveram muito longe quando falávamos de viaturas com motores térmicos.
 
"As cartas estão lançadas e já passamos o ponto de não retorno, mas acredito que deveríamos, todos os que trabalhamos neste sector e não só, de nos interrogarmos se estamos efetivamente a fazer o caminho certo em direção à sustentabilidade ambiental, económica e social da Europa"
 
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Se a isto juntarmos o facto de estarmos a abrir “escancaradamente” as portas do mercado europeu a players chineses e americanos, percebemos facilmente que abrimos uma caixa de Pandora que não ultrapassou o denominado “ponto de não retorno” e que ameaça seriamente a sustentabilidade económica e social da Europa onde, como já referido anteriormente, a indústria automóvel teve e tem ainda hoje, uma importância determinante no modelo económico e social.
 
As cartas estão lançadas e já passamos o ponto de não retorno, mas acredito que deveríamos, todos os que trabalhamos neste sector e não só, de nos interrogarmos se estamos efetivamente a fazer o caminho certo em direção à sustentabilidade ambiental, económica e social da Europa, para cumprirmos metas que não são tão pouco o caminho mais rápido e eficaz para atingir essas mesmas metas que se visam em termos finais a redução drástica das emissões de CO2 provenientes do parque circulante de viaturas automóveis.


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